Vale à pena a leitura e o compartilhamento:
Uma Contribuição Argumentativa para a
Discussão sobre a Recomposição das Receitas
Públicas na Rota do Petróleo Fluminense
August 3, 2015
Alcimar das Chagas Ribeiro (economista, D. Sc., pequisador da UENF); Claudio de Carvalho Marouvo (economista , Ms. Sc.)
A
proposta relativa à operação financeira para recomposição das receitas
dos municípios produtores de petróleo, aprovada pelo Congresso Nacional,
e com franca discussão em Campos dos Goytacazes, precisa de
justificativas técnicas e não políticas para a viabilidade de sua
implementação. O argumento dos interessados na engenharia financeira é
simplista, quando afirmam que não se trata de vender o futuro do
município. Afirmam que a emissão de títulos públicos lastreados em
royalties na bolsa de Nova York não trará implicações negativas para o
próximo governante, além de não gerar dificuldades de caixa, já que o
comprometimento é de somente 10% da arrecadação futura. Ainda como
benefício os municípios em crise financeira, por conta da queda do preço
internacional do petróleo, poderão evitar a paralisação de serviços
importantes nas áreas de saúde, educação, saneamento, transporte, dentre
outras, que estão sob o risco de suspensão.
Especificamente
sobre a operação financeira, a mídia tem divulgado a necessidade de
recomposição das receitas para equilíbrio das contas do município, numa
perspectiva em torno de R$1,0 bilhão em 2015. Neste caso é importante
entender que o uso de poupança de terceiros (empréstimos) implica na
absorção de custos (juros) que variam segundo o grau de confiança do
tomador (Município de Campos). Neste caso o país passa por dificuldades,
já que teve o seu grau de investimento reduzido da perspectiva estável
para negativa pela agência Standard & Poor's (S&P). Nas últimas
semanas, o país tem sofrido com a fuga de investidores de seus ativos,
fato definidor da perda do selo de bom pagador. Por outro lado, é real a
fuga dos investidores dos mercados emergentes em direção aos países
ricos e o Brasil é o que mais sofre entre os emergentes. Assim, a
expectativa de alto deságio no valor de face dos títulos públicos dos
municípios representará, de fato, um custo muito elevado que cairá sobre
os ombros dos munícipes e que deverá ser pago pelo próximo governo.
Uma
segunda questão que merece ser tratada é relativa ao descontrole das
contas públicas, em função da queda do preço internacional do petróleo.
Segundo os gestores públicos, eles foram surpreendidos com a queda
abrupta da transferência das rendas de petróleo, o que implicou na
descontinuidade de contratos fundamentais em favor da população. Base da
justificativa para a recomposição da receita orçamentária.
Neste
caso, é importante lembrar que a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar nº 101 - 04/05/2000) foi flexibilizada, permitindo a
antecipação de receitas futuras por conta da crise econômica.
Entretanto, as regras orientadoras do equilíbrio das contas públicas, a
exemplo do planejamento, envolvendo as receitas e as despesas, estão
mantidas. É obrigação do gestor público, manter um padrão de excelência
no planejamento fiscal em cada exercício. Ai está o grande gargalo!
Técnicas de planejamento parecem não fazer parte do "cardápio" da gestão
pública municipal.
Em
uma avaliação temporal, podemos observar que as transferências de renda
do petróleo para o caixa do município de Campos dos Goytacazes vêm
caindo desde 2013. Nesse ano, a receita retraiu 2,55% em relação ao ano
anterior e em 2014 a queda foi de 1,79% em relação a 2013. No contexto
da conjuntura macroeconômica, os fundamentos também vêm se deteriorando
há alguns anos, em função da recessão mundial, posterior à crise
americana de 2008. O saldo da Balança Comercial saiu de US$40,0 bilhões
superavitário em 2007, para US$3,9 bilhões deficitário em 2014. No
primeiro semestre de 2015 o saldo foi superavitário em US$4,5 bilhões.
Outro
aspecto importante e responsável pelo enfraquecimento da conjuntura
nacional foi a deterioração dos preços das commodities no mercado
internacional. O preço do minério de ferro se desvalorizou em 64,2% em
junho de 2015 em relação a junho de 2012, enquanto o preço do açúcar
desvalorizou 39,5% no mesmo período.
Consequentemente,
vimos desacelerar fortemente a geração de emprego. Em 2010 o país gerou
um saldo de 2,1 milhões de empregos, enquanto o Rio de Janeiro gerou um
saldo de 190,6 mil empregos. Em 2014 o país gerou um saldo de 152,7 mil
empregos e o Rio de Janeiro gerou um saldo de 34,7 mil empregos. No
primeiro semestre de 2015 o saldo foi negativo. Ou seja, o País eliminou
389,5 mil empregos, enquanto o Rio de Janeiro eliminou 80,0 mil
empregos.
Fica
evidente, portanto, que a crise não aconteceu de repente. A mesma vem
se desenrolando em um processo, cujo marco fundamental é a crise
financeira nos Estados Unidos no final de 2007. Neste caso, os gestores
públicos que projetam os seus gastos em função da previsão de receitas
futuras, deveriam com cautela ir ajustando as suas contas.
Contrariamente, imaginaram que o crescimento das receitas de royalties
estaria garantido e não mediram esforços em ampliar a estrutura pública,
com terceirização de contratos de toda natureza e uma grande pitada de
ineficiência na gestão dos recursos oriundos de transferência
constitucional.
Como
evidências claras da presente situação, basta um exame sobre alguns
indicadores econômicos internos ao município. Por exemplo, o município
tinha uma participação de 2,27% no total do emprego do estado em 2004, a
qual caiu para 2,14% em 2013. Em relação ao Valor Adicionado Fiscal,
indicador de dinâmica econômica municipal, o município apresentou uma
participação de 3,11% do valor total do estado em 2004, evoluindo
levemente para 3,22% quase dez anos depois, mesmo na condição de
produtor de petróleo e com um orçamento na casa R$2,4 bilhões em 2014.
A
renda média do trabalho assalariado no município está em torno de 2,5
salários mínimos, caracterizando uma forte concentração. O relatório da
RAIS de 2013 mostra que 36,34% da renda do trabalho estão concentrados
no setor de administração pública e 27,56% no setor de serviços. Se
considerarmos ainda o comércio com 18,24%, podemos afirmar que 82,14% da
renda do salário no município são oriundos de atividades não
industriais, com baixo padrão de conhecimento e, consequentemente,
baixos salários. O setor industrial é responsável somente por 6,53% da
renda, representando um grande problema, já que a indústria de
transformação gera riqueza e estrutura cadeias produtivas essenciais
para a dinâmica do setor econômico.
Como
podemos observar não se evidenciou uma preocupação dos gestores
públicos com o planejamento de médio e longo prazos. Os resultados da
crise econômica foram se materializando no tempo e não de repente. Nesse
caso, faltou eficiência na leitura da conjuntura econômica nacional e
sobraram iniciativas populistas e absorvedoras de grandes volumes de
recursos alocados no curto prazo, já que a taxa média de investimento,
considerando somente os recursos de royalties e participações especiais,
no período de 2007 a 2013, se situaram no nível de 31,53%, sendo o
restante de 68,47% gastos em custeio.
Assim,
de acordo com a presente contextualização, reafirmamos que a
alternativa à crise deveria ser canalizada para o ajuste nas despesas.
Uma melhor gestão orçamentária eliminaria algumas despesas não
prioritárias, não necessitando da recomposição das receitas, via
empréstimos, e que levará o município, mantida a tendência de estagnação
da economia brasileira, a uma situação insustentável de liquidez para
honrar seus compromissos nos próximos anos. Sobrará uma herança
"maldita" para os próximos governos!
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